Um tour pelas minhas caraminholas
Uma sociedade complexa de gremilins desalmados invade meus pensamentos e transforma tudo em mingau
Dentro da minha cabeça mora um punhado de gremilins malditos, eles proclamam os maiores absurdos. Terríveis. Cruéis. Facetas de mim.
(Inclusive, tava lendo A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas, da Maria José Silveira, e me identifiquei justamente com umas das personagens mais doidinhas, uma tal confusa e frenética. Ela acabou mergulhando sua inconstância nas orações… E morreu cedo. Ai ai).
Pois é, os gremilins somos nozes. Eu, no caso, contra mim mesma. Os bichinhos tem um ranço enorme e uma energia destrutiva potente, que me derruba. Por mais esforçada que tente ser, sempre surge uma criaturinha infernal para fazer um comentário hediondo.
Não preciso de inimigos, sabe? Faço todo trabalho sozinha. Uhul!
Tipo como se tivesse uma Paola Bracho na minha cabeça. E toda vez que ela aparece eu me torno uma Paulina sofredora e boazinha. Não consigo devolver na mesma moeda, não ouso me proteger de mim.
Esses gremilins também são chamados por aí de caraminholas. Eu curto essa palavra e, ao consultar seu significado nas internets da vida, encontrei algo interessante, ó:
Fiquei surpresa ao notar a definição de caraminhola como um tipo de penteado comum em mulheres de elevado status social no século XVIII fiquei pensando que a história dessa palavra deve ser um tanto interessante.
Me vem na cabeça um homem se referindo às ideias de uma mulher naquela época: “Essa caraminhola deve atrapalhar o funcionamento desta sua cabecinha de vento”.
Poderia, ainda, ser um termo utilizado de forma vingativa por homens e mulheres que não possuíam status social, para se referir às Madames Bovary da vida, sabe? “Ih, essa tem caraminhola na cabeça, não pensa direito e fica sonhando com as coisas que lê”.
Depois de procurar imagens dos penteados e especular sobre os possíveis históricos desse verbete, consegui avançar e encontrar algo mais interessante ainda entre as demais significações da palavra: os itens 3 e 4.
Sim, caraminhola é um apelido para invenções e mentiras, que são, também, sinônimos de ficção.
Lembrei imediatamente de um trecho de A louca da casa, de Rosa Monteiro, no qual a autora descreve uma característica essencial de qualquer ficcionista: a compulsão fabuladora.
Eis o trecho:
“Escrever, enfim, é estar habitado por uma mixórdia de fantasias, às vezes preguiçosas como os lentos devaneios de uma sesta estival, às vezes agitados e febris como o delírio de um louco. A cabeça do romancista funciona por si mesma: é possuída por uma espécie de compulsão fabuladora, e isto às vezes é um dom e em outras ocasiões é um castigo”.
Compulsão fabuladora e caraminholas na cabeça talvez sejam fenômenos muito parecidos. Equivalentes.
O fato é: me tornei, lentamente, muito lentamente, e ainda estou em processo, uma pessoa um pouco melhor (se é que esse referencial vago pode ser levado a sério) porque passei a usar a escrita como uma forma de dar vazão às caraminholas.
Neste espaço incomum e isolado da escrita, meus gremilins não são só destruidores implacáveis a dizimar minha vontade de viver. Não. Aqui eles mudam, desempenham um papel importante, afinal, exercem livres seu potencial mirabolante.
E veja, não sou especialista em bodega coisa nenhuma e não posso dizer… Na verdade, até posso, mas com credibilidade zero, que a escrita é um processo terapêutico para almas tão perturbadas quanto a minha.
O que posso dizer com segurança, e o mínimo de embasamento em experiências individuais muito específicas, é que a escrita foi, para mim, uma forma de encontrar equilíbrio. Um modo de vida possível para habitar este mundo. Um eixo ao redor do qual vou construindo minha vida.
Escrevo porque me quero, afinal.
Acho que sou viciada em encontrar desculpas elaboradas para explicar minhas manias… Opa, desculpa, um gremilim saiu do controle aqui. Foi mal.
Se você também tem caraminholas na cabeça e ainda não conhece o podcast É nóia minha? talvez você curta. Vai lá conhecer e se deliciar, tem MUITOS episódios. (Agradeço a Jeanne, por compartilhar comigo, obrigada amiga.) Caso você já conheça, indica um episódio que você gostou muito?
Att,
Mari.